O homem da hérnia
Era vítima de contradição insanável entre um ritmo circadiano boémio e uma vida com exigências matinais. Logo, tinha insónias. Nada convencia a estroina da glândula a segregar picos de melatonina a horas decentes. Resultado, insónias. E nem pensar em iludir o corpo valdevinos com o embuste da exaustão. Insónias, mesmo.
Assim, habituara-se de criança a exercícios de concentração que ocupavam gradualmente todo o espaço disponível de memória, sem suscitar entusiasmos nem despertar adrenalinas, até ao embalo da total dolência antecessora do sono.
Um dos mais antigos, e o mais usual e eficaz, era o planeamento da biblioteca ideal. Metodicamente construída, por género, época, autor e outros delírios classificatórios escolásticos. Tempos houvera em que tudo acabava na secção de banda desenhada: Skblllzzzzzzzzzz. Outros em que adormecera pelas prateleiras da poesia americana do século XX: Zzzzzzzzukofsky. O segredo era não perder nunca de vista livro algum até que a enormidade de volumes lhe esmagasse toda e qualquer célula acordada.
Hoje toma indutores de sono. Tem problemas de coluna e já não pode carregar pesos na cabeça.
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